"Yukio Mishima e o suicídio da Europa "
"Yukio Mishima e o suicídio da Europa"
A 25 de Novembro de 1970, Yukio Mishima, um dos mais proeminentes e controversos escritores japoneses, pôs fim à sua vida num meticuloso e brutal seppuku (harakiri quando menos formal), o suicídio ritual dos samurais, após uma tentativa frustrada de golpe de Estado no quartel-general das Forças de Autodefesa do Japão.
Este acto, simultaneamente ideológico, estético e visceral, ergue-se como um grito de revolta contra a decadência que Mishima via no Japão do pós-guerra. Foi um protesto contra a troca da honra e do espírito pela mera prosperidade económica, consagrando a vitória da matéria sobre o que é essencial. É neste ponto que o seu gesto final oferece uma perspectiva trágica para a análise do definhar da Europa contemporânea.
O suicídio de Mishima não foi um acto de desespero, mas o ponto final rigoroso de uma filosofia. Ele via na morte a única síntese possível entre a arte (a palavra, o sonho) e a acção (o corpo, a realidade), numa linha próxima da tradição "Wagneriana" e do pensamento "Nietzschiano" que tanto o influenciaram.
Conforme o próprio teorizou no seu Sol e Aço, exigia a forte união entre o músculo e a mente. Por isso, a sua morte foi uma performance calculada, destinada a congelar a sua imagem física no seu auge, evitando a degradação da velhice , morreu, também e assim, por uma questão estilística. O seppuku, enquanto ritual de extrema solenidade e controlo, onde o indivíduo domina a dor para provar a sua sinceridade e pureza de intenções, contrasta de forma violenta com o destino da Europa moderna.
A Europa, tal como o Japão que Mishima abominava, está prisioneira de uma ideologia de conforto e de conveniência. A segurança, o bem-estar material e o vazio espiritual tornaram-se valores supremos, algo que diversos pensadores criticam no Ocidente. É o caso do filósofo italiano Julius Evola, que, embora não tenha comentado directamente o seppuku por ter morrido quatro anos depois, havia já defendido a necessidade de um "homem vertical" que se elevasse acima da decadência moderna e do niilismo. Advogava por uma "virilidade espiritual" que Mishima encarnou no seu gesto extremo.
Se Mishima reclamava a primazia da acção sobre a inércia, contrariamente, a Europa, sofre ainda de paralisia burocrática e hiper-intelectualização. Os problemas são debatidos ad nauseam sem nunca se passar ao acto decisivo, evitando o risco e o sacrifício.
O fim da Europa não será uma tragédia épica, mas "adivinha-se" um resultado estatístico da falha demográfica e da indiferença cultural.
Esta renúncia à acção e a preferência pelo "conformismo" é vista por figuras da "Nova Direita" europeia, como o pensador francês Alain de Benoist, como o resultado da homogeneização e da perda da identidade cultural. Estes autores criticam o universalismo abstracto que destrói a pluralidade e a essência dos povos.
O seppuku de Mishima, com a sua "beleza" brutal, é um espelho que obriga a Europa a confrontar-se com a sua finitude. Recorda-nos que a pior forma de morte é a dissolução silenciosa, a extinção por indiferença e a falha em defender a própria alma. A lição de Mishima, portanto, não é um apelo à violência, mas um grito existencialista pela dignidade.
A civilização só ganha sentido se houver um ideal superior pelo qual se estaria disposto a sacrificar o conforto.
Filipe Carvalho