"Tenham trend na Língua" enviado ao "Observador"

"Tenham trend na língua" 

A língua, que um dia atravessou mares e oceanos, deixou-se agora arrastar pelas marés das trends. Todos repetem as mesmas expressões, os mesmos gestos de fala, e o português parece cada vez mais um eco global sem voz própria.
Hoje, tudo "virou" qualquer coisa. O verbo "tornar-se", tão elegante e exacto, foi atirado para o esquecimento. "Isto virou moda", "virou tendência", "virou um clássico". 

O mesmo acontece com o "tipo", que já deixou de pressupor uma comparação e  passou a ser vírgula. "Fui lá, tipo, ver se estava aberto." "Ele ficou, tipo, chateado." O "tipo" passou a ser o travão da insegurança, o enchimento da fala e o descanso do pensamento. E há ainda o "meio que",  uma expressão que pretende suavizar o tom mas que só enfraquece a ideia: "meio que gostei", "meio que choveu", "meio que percebi". É o triunfo do quase em detrimento do concreto.

No artigo de opinião "A língua está em perigo por causa dos jovens?", publicado no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, a linguista Carla Marques descreve como as gírias, bordões e expressões repetidas ("tipo", "pronto", "então") são perceptíveis como sinais de desvio face à norma; e que embora sejam naturais para grupos geracionais, muitos adultos vêem-nas como indicadoras de decadência linguística. 

A história mostra-nos que o português falado sempre acolheu o que vinha de fora. Do árabe herdou "azeite" e "alfazema"; dos povos ameríndios, "cacau" e "tapioca" e de África, entre outras, "moleque" e "batuque". Palavras, estas que entraram pela experiência da mestiçagem e não pela televisão e redes sociais. Hoje, as novas expressões não nascem apenas da convivência, mas também da cópia. 

A influência brasileira é a mais visível. A televisão, a música e a internet criaram uma língua paralela que o português europeu adoptou com um entusiasmo quase provinciano. Estranho é, sentirmos que se dissermos "casca de bala", "trolagem", ou "fofoca" nos torna mais modernos e leves. 

José Manuel Diogo, presidente da Associação Portugal-Brasil 200 anos, declarou que há uma preocupação em Portugal com a crescente influência do português do Brasil na linguagem dos jovens. Ele considera que, embora a língua seja um "território sem fronteiras" e naturalmente mutante, é necessário haver políticas públicas para explicar melhor a cultura portuguesa aos brasileiros antes de estes emigrarem. 

O falar português hesita, em crise, entre ser ele próprio ou parecer mais "fixe" e tropical. 
O "buéda" substituiu o "muito", o "kota" tomou o lugar do "velho" e o "mambo" serve agora para tudo. O que se pratica hoje, pode ser encarado como uma caricatura da verdadeira lusofonia.

Em suma, a língua portuguesa encontra-se num ponto de viragem entre o entusiasmo da globalização e a preguiça do hábito, seduzindo-nos com os sons fáceis das palavras alheias e pelos ritmos apressados das modas. Como nos lembram os estudiosos linguísticos Fernando Venâncio e Carlos Alberto Faraco, toda e qualquer língua vive da tensão entre a mudança e a consciência. 

O empobrecimento da língua pode ser o espelho do empobrecimento do pensamento. E numa sociedade em que se fala mal, talvez se pense mal.
Poder falar e escrever em português com exactidão não precisa de ser, como se ouve por aí, "top mundial", basta apenas conseguir voltar a ser português.

Filipe Carvalho 





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