"Hamas são verdes" in "Observador"
"Hamas são verdes"
Permitemo-nos a observar que um dos conflitos mais prolongados e intensos do mundo contemporâneo ocorre entre dois povos que, biblicamente, descendem do mesmo pai. Palestinianos e Israelitas são, na sua origem, irmãos de sangue, filhos de Abraão, e portanto ambos povos semitas. No entanto, a narrativa política e mediática tende frequentemente a apagar esta ligação ancestral, como se fossem civilizações totalmente opostas, quando na verdade partilham raízes profundas.
Segundo o Livro do Génesis, Abraão, nativo da cidade de Ur, foi chamado por Deus para fundar uma nova linhagem escolhida. Com a sua esposa Sara não conseguia ter filhos, pelo que, seguindo os costumes da época, tomou por mulher a sua serva egípcia Agar, que lhe deu um filho: Ismael.
Ismael é reconhecido como o patriarca dos povos árabes, e os seus descendentes espalharam-se pelas regiões desérticas do Médio Oriente. Na tradição islâmica honra-se Ismael como profeta e ancestral directo de Maomé. A Bíblia relata que Deus abençoou Ismael e prometeu fazê-lo pai de doze príncipes e de uma grande nação (Génesis 17:20). É daqui que se desenvolve a linhagem que, historicamente, inclui os povos que habitaram a antiga Palestina.
Anos mais tarde, Deus cumpre a promessa feita a Abraão e Sara concede-lhe um filho: Isaac. A bênção da aliança divina é confirmada através dele (Génesis 17:21). Isaac é pai de Jacob, que recebe o nome de Israel. Os seus descendentes tornam-se as doze tribos de Israel, formando o núcleo do povo israelita e, mais tarde, da nação judaica.
Tanto os árabes como os hebreus são povos semitas, termo que designa os grupos etnolinguísticos descendentes de Sem, um dos filhos de Noé. As línguas árabe e hebraica pertencem ambas à família semítica, partilhando raízes linguísticas e culturais. Esta realidade histórica e antropológica desmonta qualquer tentativa simplista de colocar Palestinianos e Israelitas como "civilizações incompatíveis".
Na verdade, são ramos diferentes da mesma árvore. Falam línguas aparentadas, provêm da mesma região e os seus textos sagrados referem-se a muitas das mesmas figuras, lugares e tradições. O conflito não é, portanto, uma luta entre "estranhos", mas sim uma disputa prolongada entre ramos familiares que se afastaram e entraram em choque ao longo dos séculos.
No discurso moderno, fala-se frequentemente de "anti-semitismo" para designar o ódio dirigido aos judeus. Porém, os árabes também são semitas, o que significa que atitudes de ódio contra os povos árabes são, tecnicamente, também manifestações de anti-semitismo. Contudo, este facto é frequentemente ignorado, como se o termo "semita" fosse propriedade exclusiva do povo judeu.
Esta manipulação linguística contribui para simplificar e distorcer um conflito que é, na verdade, entre dois povos irmãos, ambos descendentes de Abraão, ambos portadores de uma herança semítica milenar. É desconfortável reconhecer que o conflito israelo-palestiniano é uma tragédia familiar ampliada por séculos de rivalidades políticas, religiosas e territoriais.
Será conveniente dizermos, que são "farinha do mesmo saco".
Filipe Carvalho