"A lista negra" in jornal "O Diabo"
"A lista negra"
Há uma casta moderna, insidiosa, de pretensos servidores públicos que se nos apresenta não por vocação, mas por conveniência. Gente de semblante composto e discurso empolado, que se apressa a figurar nas listas dos partidos como outrora os frades mendicantes buscavam o favor de um mecenas generoso.
Esta nova ordem de oportunistas (nova apenas no traje, pois a essência é ancestral), é a nova vaga dos profissionais da presença, dos amadores do poder, aqueles figurantes que, por obra de algum algoritmo eleitoral ou conveniência partidária, se veem alçados à condição de "representantes do povo". Representantes de quê, e de quem?
Entram para a política como quem entra para um clube de acesso restrito. Não movidos pela pulsão ética de servir, mas pelo perfume do poder e pelos salamaleques de circunstância.
Mais do que um insulto à inteligência do povo, são um sintoma de uma patologia mais profunda: a substituição do mérito pelo artifício e da substância pela aparência.
Não vêm do labor militante, nem do pensamento comprometido, tampouco da luta silenciosa que molda uma consciência pública. Vêm, sim, da secura da vaidade, do carreirismo desinspirado, da ambição sem vocação. Vêm do mundo onde se confunde notoriedade com valor. São os filhos bastardos da política-espectáculo e órfãos da república; mas, curiosamente, apadrinhados por todos os interesses que a corroem.
São, no fundo, homens e mulheres de pequena estatura moral, mas grande apetite simbólico. O cartão de deputado serve-lhes como escudo e como senha de entrada onde antes, à porta se esperava. Falarão onde antes se calavam, e olharão de cima quem antes os olhava de lado. Eis o milagre da lista partidária: não exige coragem, nem coerência. Basta obediência, pose e alguma disponibilidade para a domesticação.
A política converte-se num palco de vaidades inócuas, onde os vendilhões do templo erguem as tendas da ocasião para venderem, por trinta moedas de favores e lealdades instantâneas, o que deveria ser inegociável: a confiança pública.
Uma república que tolera que a sua elite seja constituída por quem a ela chega por via da conveniência e não pelo mérito, é uma República a prazo. E quando os tronos são ocupados por quem busca apenas almofadas, o povo acaba por se sentar no chão. Sozinho e sem ninguém que o represente; porque os que dizem representá-lo já há muito se venderam. Barato...
Filipe Carvalho