" A misantropia como reacção " in " O Diabo"
Misantropia: desprezo ou desespero?
A misantropia, esse desprezo sereno ou desesperado pelo homem, não é apenas um sentimento isolado de eremitas e cínicos, é, conjuntamente, um sintoma generalizado da falência civilizacional. Numa perspectiva "Evoliana", que se ergue sobre os escombros da modernidade com a coragem de quem não teme ser impopular, a misantropia não é uma anomalia, mas sim um reflexo lúcido da decadência do humanismo progressista.
"O homem moderno é um anjo caído que se esqueceu do Céu e nega o Inferno."
Assim escrevia, com ironia cortante, Nicolás Gómez Dávila; esse pensador colombiano que se tornou, postumamente, um dos oráculos da nova direita. A misantropia, neste contexto, não se trata de um mero desdém pelo próximo, mas antes uma justa repulsa por aquilo em que o homem se converteu: um narcisista moralmente relativista e escravo de desejos baixos.
A verticalidade compreende que o desprezo pelo homem não vem de uma frieza moral, mas de uma lucidez trágica.
Sempre que contemplamos o espectáculo grotesco da modernidade, celebramos a ignorância como autenticidade, a imoralidade como liberdade e a destruição da tradição como progresso.
Mas não nos enganemos: o misantropo da nova direita não odeia o homem por capricho e mesquinhez; odeia o homem deformado, desnaturado e desconectado da transcendência. Encaremos esta corrente filosófica pessimista de uma forma selectiva, aristocrática, que não despreza o ser humano em si, mas o animal domesticado pelo igualitarismo e embrutecido pelo consumo.
Contra isso, propõe-se uma restauração espiritual, ética e estética. Não se trata de regressar a um passado idealizado, mas de reconstituir as condições para que o humano volte a ser digno de amor, ou pelo menos, de respeito.
Como advertia Ernst Jünger:
"O tempo do titã termina; o tempo do herói começa."
Portanto, a misantropia, nesta direcção, não é niilista, mas reaccionária no mais nobre dos sentidos. Importa a sua reacção, com veemência e estilo, ao mundo onde o belo é ridicularizado, o sagrado é profanado e o verdadeiro é relativizado. Apruma-se assim uma repulsa quanto ao conceito de que o último homem de Nietzsche seja o destino inevitável da civilização.
A palavra misantropia provém do grego e, etimologicamente, é o ódio ao homem. Mas é preciso depurá-la deste verniz vulgar que a reduz a uma mera antipatia mal-humorada. Na tradição filosófica e literária, a misantropia é uma reacção de espírito elevado que conhece demasiado bem a humanidade para iludi-la com esperanças fáceis.
Em Sófocles, encontramos personagens cuja nobreza é incompatível com a vilipendia ao mundo; homens que se retiram estratégicamente, não por cobardia, mas por altivez. Já Shakespeare, em Timon de Atenas, apresenta-nos um homem que, traído por todos, se torna misantropo como forma de fidelidade a um ideal de amizade e honra, raro no mundo.
O misantropo moderno, por outro lado, é muitas vezes caricaturado como um derrotado social. Uma errónea projecção, se considerarmos que o misantropo não é um excluído ressentido, mas, sobretudo, um aristocrata de espírito, que vislumbra a podridão e recusa participar num "banquete de barrascos" diagnosticados com uma grave malformação hedónica.
A mais sensata veia misantropa, não odeia o homem enquanto criação à imagem de Deus ou como portador de razão e alma. O desprezo incide sobre a paródia feita ao homem que se arrasta pelas ruas das democracias liberais, proclamando liberdade enquanto é escravo dos seus apetites.
Distingue-se o homem do "homenzinho", esse ente menor, falsificado e domesticado pela cultura do vitimismo e do conforto.
Já a esquerda moderna, sobretudo na sua vertente progressista-globalista, cultiva uma forma peculiar de misantropia: o ódio ao homem na sua essência, não obstante, dissimulando um amor universal pelo que este deveria ser. Uma complexa, mas pelos vistos, eficaz operação retórica, em que se finge amor pelo próximo para justificar o controlo "marioneteiro" social, numa das mais perniciosas farsas da modernidade.
A esquerda, no seu âmago, crê que o ser humano é uma tábua rasa, um produto das estruturas, uma massa moldável segundo os critérios de igualdade absoluta. Esse homem idealizado, sem sexo definido, sem cultura, sem hierarquia, sem culpa e sem religião não existe.
"O revolucionário ama o proletariado como conceito, mas abomina o operário que reza, fuma e vota à direita."
— como bem apontou, o irónico Jean-François Revel.
A misantropia da esquerda manifesta-se, portanto, no ódio contra o pai de família e contra o homem viril porque representam tudo o que escapa ao modelo do "oprimido" útil. O "amor ao marginal" frequentemente esconde um desprezo pelo homem normal. O culto às minorias não é uma expressão de generosidade, mas uma arma para atacar a maioria; numa versão moderna daquilo que Tácito já denunciava como máxima do império decadente:
"Criam-se desertos e chamam-lhes paz".
Filipe Carvalho