A tirania verde in O Diabo
Os valores tradicionais da civilização europeia são diuturnamente questionados e, por vezes, assistimos a uma inquietante reconfiguração da relação entre o cidadão e o Estado. Sob o pretexto do combate às alterações climáticas, os governos (em consonância com organismos supranacionais) têm vindo a implementar um programa de vigilância e controlo que, na prática, esvazia o princípio da liberdade individual em nome de um bem colectivo mal definido e politicamente instrumentalizado.
Não se trata, evidentemente, de negar a existência de fenómenos ambientais que carecem de atenção, mas sim de interrogar as consequências éticas, políticas e sociais de um ambientalismo dogmático, que impõe restrições crescentes ao consumo, à mobilidade, à propriedade e até à alimentação; colocando em causa a deliberação democrática e sem espaço para a dissidência legítima.
Vale recordar que a liberdade, essa condição primeira da dignidade humana, não pode ser sacrificada num altar pseudoecológico. Se há reformas a fazer — e há — deverão ser feitas com base na subsidiariedade, na prudência e no respeito pela soberania individual. Um Estado que diz ao cidadão o que pode comer, como pode viajar, que tipo de casa pode habitar ou quantos filhos pode ter, não é um Estado moderno nem ecológico — é um Estado totalitário camuflado de verde.
Este processo de engenharia social, disfarçado de salvação planetária, não surge ex nihilo. É o culminar de décadas de erosão dos fundamentos civilizacionais do Ocidente, substituídos por um ecumenismo ideológico onde a tradição é vista como um obstáculo; onde a liberdade é vista como um luxo e não como um direito a ser respeitado.
Neste quadro, o ambientalismo radical tornou-se um instrumento privilegiado para uma nova forma de planificação centralizada. Não se trata já da defesa da paisagem ou da biodiversidade (causas nobres em si mesmas), mas de um reordenamento global da sociedade segundo alguns critérios definidos por peritos não eleitos, activistas militantes e conglomerados transnacionais que, paradoxalmente, lucram com a mesma transição energética que dizem impulsionar por razões morais.
A ironia é flagrante: quem prega o decrescimento são muitas vezes os mesmos que viajam em jactos privados para cimeiras sobre o clima. Os que exigem aos pequenos agricultores que abandonem fertilizantes são aqueles que, na sua maioria, mantêm os seus rendimentos garantidos em bolsas e fundos ecológicos. O sacrifício, como sempre, é exigido ao homem comum — ao camionista, ao pescador, ao pequeno empresário — enquanto os sacerdotes da nova ortodoxia gozam de imunidade moral e fiscal.
Importa, pois, reintroduzir o espírito crítico no debate público. Não há liberdade sem responsabilidade, mas tampouco há responsabilidade sem liberdade.
Por isso, todo aquele que não teme o futuro mas que o encara com reverência pelo passado, deve resistir ao avanço de um ecologismo autoritário que despreza o enraizamento cultural. As liberdades consagradas e o valor da vida concreta, quotidiana não deviam ir a favor da maré uniformizadora que nos quer reduzir a peças de uma máquina produtora de "sustentabilidade". Há que reafirmar o valor da pessoa, da propriedade, da tradição, da responsabilidade.
Em suma, há que resistir, com lucidez e com coragem à nova tirania verde. A protecção da natureza, para ser legítima, não pode, de, maneira nenhuma, parecer um pretexto para o abandono da natureza humana.
Filipe Carvalho