"A família como primeira escola" in O Diabo
Experienciamos um tempo curioso em que muitos pais se insurgem contra a educação sexual nas escolas, como se esta fosse a porta de entrada para a perversão, e não o antídoto para acabar com a mesma. Bradam, com solene indignação, que os seus filhos "não precisam de ouvir aquilo tão cedo". Que a escola está a "ultrapassar os limites". Que há temas que pertencem "à intimidade da família".
Entretanto, é no seio dessas mesmas famílias que se permite, sem constrangimento, que crianças dancem diante de ecrãs ao som de músicas de teor altamente sexualizado. É na sala de estar, com o telemóvel ao centro, que se gravam vídeos em que meninas pequenas imitam coreografias sugestivas. É no carro, a caminho da escola, que ecoam versos explícitos glorificando o prazer pelo prazer, como se fossem canções de embalar para uma geração órfã de critério.
Fala-se tanto de "proteger a infância", mas o que se faz, de facto, é entretê-la até à alienação. Teme-se aquele professor que fala de anatomia com naturalidade e responsabilidade, mas aceita-se, sem pestanejar, o influencer digital que banaliza o corpo e esvazia o afecto.
Não se trata aqui de demonizar estilos musicais ou de condenar danças populares, longe disso. Somente apontar o óbvio: não existe coerência quando se proibe o conhecimento a favor da vulgaridade. Não é sensato rejeitar a educação e abrir os braços à promiscuidade.
A escola, quando bem orientada, ensina respeito, limites, consciência e cuidado; essenciais pilares na era em que tudo se tornou consumível, inclusive a imagem dos próprios filhos. Negar este saber em nome de uma falsa inocência é abrir mão da verdadeira protecção.
É preciso coragem para olhar para dentro. Para admitir que, muitas vezes, a omissão familiar é mais nociva do que qualquer aula de cidadania. Que os algoritmos não educam, e que, no fim, as crianças que crescem sem escuta, sem orientação e sem diálogo são as mais vulneráveis de todas.
Que se fale, que se ensine, mas com verdade. Que se ouça com atenção. Que os pais que desejam proteger a infância comecem, antes de tudo, por examinar o que ela consome e por quê.
Assumamos que a incoerência não educa, apenas confunde. Incoerência esta, que se alastrou pela grande parte dos meios de comunicação e da indústria cultural. Já não se informa nem se entretem: reeduca-se, ou melhor, reprograma-se segundo uma cartilha não escrita, mas ferozmente aplicada.
Escancara-se uma simbiose estranha entre certos artistas, influenciadores e grupos mediáticos que se dizem defensores da liberdade, mas que promovem, com ares de rebeldia estética, uma cultura que desestrutura valores fundamentais.
É neste cenário que se insere a tal "agenda", não no sentido conspiratório de um plano secreto, mas como uma orientação cultural visível, sistemática e viralmente persistente. Uma agenda que mora no que se promove, no que se silencia, no que se premeia e no que se cancela. Que se move no modo como a figura do pai tradicional é caricaturada, como a autoridade materna é ridicularizada e como a escola que tenta ensinar virtudes é acusada de doutrinar.
A criança, neste contexto, não é educada para ser livre: é preparada para integrar um colectivo sem resistência, sem memória e, sobretudo, sem raiz.
A cultura dominante tornou-se num laboratório de engenharia social, onde alguns artistas são convertidos em arautos do novo moralismo e alguns jornalistas, evangilizados a seus escribas devotos.
Aos que discordam e aos que ousam levantar dúvidas, resta-lhe o rótulo acusatório de serem retrógrados e conservadores intolerantes.
Um povo que perde o direito de preservar os seus valores, quer seja por pressão, por moda, ou por medo, é um povo que se desarma perante o futuro.
É preciso recuperar a coragem de dizer não. Não à erotização precoce. Não ao entretenimento sem travões. Não à imposição de uma moral única sob o pretexto da inclusão. E sim, um virtuoso sim à família que educa com firmeza e ternura. Sim à escola que forma consciências livres ao invés de seguidores. Sim à cultura que enobrece e um redondo não à cultura que entorpece.
Filipe Carvalho