"André Ventríloquo e Mariana Donaltim" in Observador


A política portuguesa desceu mais uma vez ao teatro do absurdo. Não pelas ideias (ou falta delas), mas pela forma. A deputada Mariana Mortágua, rosto da esquerda aguerrida e verbo articulado do Bloco de Esquerda, acusou publicamente André Ventura de manipular a sua voz através de meios digitais na sua conta de Instagram. O líder do Chega, mestre da combustão mediática, terá divulgado um vídeo em que Mortágua supostamente defende alterações à Lei dos Estrangeiros – declarações que, segundo a própria, nunca fez, ou melhor, que nunca disse... pelo menos com a boca.

Mas num país onde a verdade já há muito se tornou maleável como barro e onde as redes sociais são a nova câmara escura da democracia, perguntar "quem disse o quê?" é já um acto quase ingénuo. Agora é "quem parece ter dito?", "quem soa como se tivesse dito?". E sobretudo: "quem queremos acreditar que disse?". A política portuguesa não se divide mais entre esquerda e direita, mas entre o que é real e simulado.

Mas falemos com clareza,  talvez o mais surpreendente neste escândalo digital não seja o uso de tecnologia para amplificar uma mensagem, mas a histeria moral da esquerda quando confrontada com o seu próprio reflexo. Mariana Mortágua está indignada  porque a sua voz foi usada, dizem, sem consentimento, para afirmar algo que não defende. Mas será que é mesmo assim tão distante do que defende?

É curioso ver quem sempre defendeu que "a verdade é uma construção social", que "tudo é discurso", que "não há factos, só interpretações", agora gritar por autenticidade como virgens ideológicas ofendidas a  sacudir a água do capote político. A esquerda pós-moderna viveu anos a desconstruir verdades, géneros, fronteiras e identidades e e agora escandaliza-se quando a sua própria identidade vocal é desconstruída? Que irónico.

O vídeo manipulado — se o for — não diz que Mariana Mortágua quer deportar migrantes. Não. Diz, numa caricatura verosímil, aquilo que muitos portugueses gostariam que alguém da sua área política tivesse a coragem de dizer. O vídeo não convence pela mentira, mas pela possibilidade. E é isso que a assusta.

A política, hoje, é performance. Ventura entendeu isso antes de todos. É um produto do seu tempo, mas também um produtor de tempo novo. A esquerda, em pânico, chama-lhe populista, manipulador, demagogo. E depois pergunta-se por que perde eleitorado no Alentejo e na Amadora. Talvez porque não percebeu que, em 2025, a verdade já não é o que se diz, mas o que se sente verdadeiro.

Se um vídeo falso convence meio país, o problema não está na tecnologia. Está em quem perdeu a confiança do povo a ponto de uma fraude digital soar mais sincera que o discurso real.

Mortágua pode protestar o quanto quiser. Pode processar, denunciar, gritar para os céus digitais da democracia. Mas enquanto continuar a parecer desligada da realidade que os portugueses vivem — insegurança, imigração descontrolada, medo cultural — continuará a ser vulnerável a este ( possível e não confirmado) tipo de manipulação.

Filipe Carvalho 

Mensagens populares deste blogue

À Direita com Elegância in "O Diabo"VOL.6

VIRTUOSAMENTE VOL.8

"5 de Outubro e o mito de Zamora" in Observador