"A alegoria da barraca" in Observador
"A alegoria da barraca"
Em Loures, nas planícies que testemunharam o labor e a construção do nosso país, assistimos hoje a um evento que transcende a mera demolição: a eliminação das barracas no bairro do Talude. Um assentamento, maioritariamente composto por africanos, por aqueles que, por diversas vias, procuraram o nosso solo. Platão, na sua intemporal alegoria da Caverna, convida-nos a questionar as sombras que nos são mostradas, e é imperativo que o façamos agora, perante a realidade que se desenrola. Há já desmesurado tempo, permitimos que uma teia de ilusões velasse a percepção de uma verdade incómoda.
Por 2.000 euros, cada um desses indivíduos adquiriu não um pedaço de Portugal, mas uma sombra fugaz de estabilidade, uma promessa incerta de pertença. Construíram com as suas próprias mãos, uma edificação sobre as areias movediças de uma situação irregular, invariavelmente ao arrepio das leis e do planeamento. O dono dos terrenos, o "senhor" desta caverna moderna, projectava a imagem de uma vida possível, talvez até de uma integração plena. E eles, os moradores do Talude, contemplavam essas sombras na parede, sem discernir que o seu custo real recaía, em última análise, sobre a estrutura social e identitária da nossa nação.
De repente, irrompe a luz crua da realidade. Não a luz da revelação platónica, mas o brilho frio e implacável das máquinas que vêm reestabelecer uma suposta ordem. As barracas, projecções de um lar, desfazem-se em pó e escombros. E os 2.000 euros? Foram o preço da ilusão, o custo da permanência numa escuridão onde os interesses particulares se sobrepuseram ao discernimento colectivo, onde a ausência de controlo gerou uma realidade paralela.
O que se segue à demolição é o descobrir de uma desordem subjacente, não apenas para os directamente afectados, mas para a própria sociedade portuguesa. A dor da perda e a humilhação da desapropriação são reais, mas são também o reflexo de uma política de portas abertas que, sem controlo ou planeamento adequado, gerou zonas de precariedade e exclusão. A verdadeira tirania não está apenas no acto da demolição, mas na passividade que permitiu a proliferação de situações irregulares, criando guetos e sobrecarregando serviços sociais, de saúde e de educação, que não foram pensados para uma tal expansão descontrolada.
É fundamental compreender que esta realidade não é inócua para a nação. A presença de comunidades não integradas, ou dificilmente integráveis, cria fissuras na coesão social e desafia a identidade nacional, ao exigir uma adaptação unilateral por parte da sociedade anfitriã, em vez de uma integração mútua e responsável.
O glorificar de uma "legalidade" que se torna cega perante a origem e a sustentabilidade destas situações, sem questionar as causas profundas e os impactos a longo prazo, é uma falha que a Pátria, enquanto instituição, não pode continuar a ignorar.
O paradoxo é que, enquanto se aplaude a "ordem" restaurada com uma demolição pontual, recusamo-nos a confrontar a desordem sistémica de uma imigração que, sem critério e sem capacidade de absorção, desafia a sustentabilidade da nossa própria casa.
Platão lembra-nos que a saída da caverna é dolorosa, mas necessária para a verdade. Para Portugal, essa verdade passa por reconhecer que a caridade sem controlo e a abertura sem critério comprometem os alicerces da nação. Resta saber se, das cinzas destas barracas, nascerá a lucidez necessária para que a nossa Pátria reafirme a sua soberania, a sua identidade e o seu futuro, não permitindo que as sombras de um crescimento desmedido continuem a obscurecer o seu destino.
Será que a verdadeira liberdade reside em assumir o controlo das fronteiras e das políticas sociais, garantindo que o progresso beneficie, em primeiro lugar, aqueles que constroem e definem, respeitosa e condignamente, a herança e o futuro deste país?
Filipe Carvalho